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domingo, 27 de abril de 2014

A confirmação. A revolta.

"Ser ou não ser, eis a questão..." escreveu William Shakespeare, e foi exatamente assim que andámos durante vários longos meses. Na dúvida.

Durante muito tempo, pedi que me dessem um nome concreto ao que a Mafalda tinha, e que não andássemos à deriva como temos vindo a andar nestes últimos 15 meses. 

E agora que temos a confirmação, não estou a saber lidar com ela.

No passado dia 17, iniciámos a nossa caminhada na Unidade de Pequena Infância que está ligada ao Hospital Dona Estefânia. Fomos recebidas pelo Dr. Pedro Caldeira, que a meu ver, foi e é provavelmente o melhor médico que já cruzou na vida da Mafalda.

Quando lá entrámos, ia com a esperança do prognóstico que nos deram no HGO fosse certo. Que a Mafalda tinha apenas um atraso no desenvolvimento. Embora, conscientemente, soubesse que os sinais dados pela minha filha eram demasiado reais. Mas a esperança é a última a morrer, certo?

Após um longo questionário, e uma observação do médico à Mafalda de 30 minutos e outros 30 a interagir diretamente com ela, deu o veredicto que tanto temia.  

A Mafalda tem, sem qualquer dúvida, uma perturbação do espectro do autismo (PEA). Ainda não pode dizer qual o grau, pois ela ainda é muito pequenina, mas quanto a isso não tem dúvidas.
Além do PEA, confirmou o dito atraso no desenvolvimento, além da epilepsia. 

Honestamente, não sei o que senti naquele momento. Acho que o meu cérebro, por momentos, parou.  

Eu sei que era por demais evidente; os gestos repetitivos, a fixação que ela tem por bolas e rodas de carros, ficando a rodá-las horas sem fim, os gritos muitas vezes sem sentido, o diambular pela casa fora, a rejeição a pessoas que ela não conhece, o não comer com colher ou beber corretamente com um copo, o abanar dos braços como se fosse voar, enfim tantos mas tantos sinais que me diziam a mim que a Mafalda era autista.

Mas do outro lado, tinha uma instituição onde a Mafalda é seguida e me disse várias vezes que a ela não era autista, mas que deveria ser tratada como tal (embora isto para mim nunca me tenha feito qualquer sentido).

Contudo, por muito evidente que fosse, quis acreditar que era possível ela não ser, mesmo com todo o nosso historial familiar e historial clinico da Mafalda.
E afinal, há uma grande linha que separa o "poderá ser" do "é", e desde o dia 17 até hoje temos vivido dias complicados. Ou melhor, eu tenho vivido momentos complicados. 

Custa aceitar! Custa aceitar que a minha filha que eu tanto desejei, foi afetada por genes maus, transmitidos por mim ou pelo pai ou por ambos, sem que nada pudesse ser feito de modo a anteciparmos isso, e assim combater esse problema. É como se fosse um castigo atribuído à pessoa errada, à pessoa que eu mais amo e a quem prometi no dia que ela nasceu que no que dependesse de mim, nada de mal lhe aconteceria, quando fui que lhe passei esse mal.

O que é que vai ser do futuro da Mafalda, quando as nossas instituições públicas não têm resposta imediata às suas necessidades? Basta falar-vos da terapia ocupacional da qual ela tanto necessita, e cuja consulta para avaliação será só dia 21 de Maio, esperando-nos depois uma lista de espera de 4 a 5 meses para começar efetivamente a terapia.

Como será quando eu falecer? A nossa sociedade é tão cruel, é cheia de pessoas mesquinhas que não sabem fazer outra coisa que não seja criticar o próximo e atingir os mais fracos, já para não falar que a maioria das pessoas não sabe nem consegue lidar com a diferença. E eu falo por experiência própria, pois sei bem o que passei por ter lábio liporino.

E acima de tudo, porquê a Mafalda? Porquê a nós? Porquê???
Eu sei que há coisas piores, sei que há crianças a sofrerem com cancros e a lutarem pela vida com pais desesperados a lutarem contra o tempo. Mas, eu peço desculpa, terei de ser egoísta. Porque estamos a falar da minha filha, cuja mãe já passou tanto mas tanto, que não merecia mais esta pedra.

Eu sei que me vou levantar, e que irei contra tudo e contra todos para que a Mafalda não tenha menos que aquilo a que tem direito. E claro que não vos falo em amor, porque isso ela tem que chegue. Tem o amor de uma mãe que por ela vai à lua se for preciso, e o amor de toda uma família paterna que a ama muitíssimo.

E se há coisa que eu aprendi com a Mafalda, é que o amor consegue coisas incalculáveis.  

Mas neste momento, estou mesmo muito chateada com Deus. Porque mesmo que me digam que Ele só atribui as grandes causas a quem tem capacidade das ultrapassar, caramba acho que já abusou da conta. Em 28 anos da minha existência, cada batalha tem sido pior que a anterior, estando eu neste momento a enfrentar a maior delas todas, e sem saber ainda como lidar com toda esta raiva que sinto dentro de mim.

A parte positiva é que a Mafalda será seguida também na UPI, estando neste momento a ser acompanhada por 3 instituições, o que não é nada mau tendo em conta que são todas públicas. Agora falta é os vários elementos que estão envolvidos, agilizarem a parte que lhes toca. Já temos a avaliação da terapia ocupacional marcada, e a consulta de genética (para percebermos quem passou o quê à Mafalda) também.

Falta agora ir buscar o papel à medica para entregar na segurança social para pedir o subsidio de deficiência para a Mafalda. E essa parte vai custar-me tanto...

Entretanto ando à procura de piscinas que tenham natação adaptada com acordo com as câmaras municipais, afim de obter 50% de desconto da mensalidade, uma vez que a necessidade dela ter esta atividade foi por recomendação médica e para a qual já existe relatório.

E porque quando as coisas não andam bem, tudo acontece, a Mafaldinha apanhou varicela, o que veio atrasar o inicio das sessões na UPI. E não vai ser fácil manter a biju 15 dias fechada. Mas lá terá que ser. E enquanto estamos em casa, é aproveitar para dar muito mimo e juntas encontrarmos a paz que eu tanto preciso neste momento.

sábado, 15 de março de 2014

Obsessão... Sim ou não?

Esta semana ao falar com uma amiga, ela perguntou-me como ia a minha obsessão pela Mafalda, se estava a melhorar...

Nunca me tinha apercebido que era esta a visão que ela tinha de mim, e quando tentei perceber porque achava ela isso, explicou que me acha obsessiva porque à mínima coisa eu estou logo a amparar a Mafalda, que não a deixo dar um passo sozinha sem que eu esteja lá.

É claro que não concordei com a sua opinião, mas esta visão dela não me foi indiferente e fez-me refletir...

Para mim, a Mafalda é o meu mundo.
Tudo o que eu diga, faça ou pense, direta ou indiretamente, leva-me a ela. Mas, também para mim, isso não me faz uma mãe obsessiva.

Desde que a Mafalda nasceu, eu sou um bocado pai e mãe dela. Devido à profissão do pai, a Mafalda só está com ele de manhã, sendo que é ele que a leva à creche, e nada mais. À tarde dá-lhe um beijinho, mas depois só o vê no dia seguinte. Ao fim-de-semana ainda piora, pois há dias em que ele sai de casa com ela a dormir e entra igualmente com ela a dormir. E esta ausência fez com a Mafalda me veja como o seu porto de abrigo. Estamos imenso tempo juntas, só as duas, e isso fez com que tenhamos uma relação que só nós percebemos.

Eu conheço a Fafa como ninguém, e mais ainda por ela ser uma criança especial.

Embora ela apenas palre, ela sabe que mesmo não falando, eu percebo-a. Percebo cada tom, cada gesto, cada sinal da minha filha. Percebo aquilo que mais ninguém percebe. Nem pai, avós, padrinhos, ninguém...

Percebo quando ela quer brincar, quando está chateada, zangada, feliz, quando quer papa, quando quer mimo ou até ir passear à rua. Sem falar, apenas com gestos ou sons, eu sei do que precisa e o que pede a minha menina.

Alguma razão a única palavra que ela diz é mamã ou mã. Nada mais.

Mas é claro que também a deixo voar sozinha, sei que há momentos em que ela precisa do seu espaço, de ser a Mafalda autónoma, sem a mãe protetora do lado dela, capaz de sair sozinha de um problema gerado por ela, como um brinquedo no sitio errado ou uma queda que deu porque foi além dos limites que os seus 2 aninhos lhe impõem.

Contudo, ela também voa sozinha porque sabe que mesmo que dê errado, mesmo que ela não deva ir por ali, mesmo que dê asneira, eu estarei aqui.

Já na rua, aí visto a capa de super mãe, e não, não deixo a Mafalda dar um passo sem eu estar lá. Não sinto segurança para que isso aconteça. A nossa sociedade é demasiado cruel. E ai de quem a tentar atingir de alguma forma. Vão conhecer o pior de mim.

Mas é esta relação tão especial, tão nossa, que faz confusão a muita gente e leve a pensar-se que eu seja obcecada pela minha filha.
Porque poucos conseguem perceber este amor incondicional que eu tenho pela Fafa, e que também sei que ela tem por mim.

Mas agora questiono, ser mãe não é isto é mesmo?
Querer estar sempre presente em cada momento dos nossos filhos?
Sabermos que eles estão a crescer bem, felizes, com saúde e num ambiente bom?

Já basta saber que um dia, num dado momento, ela vai querer ir sozinha e eu vou ter de deixar.
Que nesse futuro que um dia virá, eu terei de ficar à espera dela, ansiosamente à espera dela, enquanto a minha borboleta vai voar sozinha.



sábado, 1 de março de 2014

Mafalda? Não... Mafaldinha ou Fafa, sff!

Nem imaginam o quão difícil foi pôr a Mafalda na creche.
Tive a sorte de a conseguir pôr numa IPSS e, curiosamente, entrou na creche que eu dizia não querer que ela entrasse.
Mas Deus sabe o que faz, e a Mafalda entrou onde tinha de ser, porque assim tinha de ser.
A educadora dela é excepcional e tem uma paciência de santa! Tem imensa paciência para a Mafalda e, por muito difícil que tenha sido, conseguiu conquistá-la! E hoje a Mafalda adora quer a educadora, quer a auxiliar da salinha dela. O facto da educadora ter muitos anos de experiência foi importantíssimo para a  integração da pipoca na sala!
A entrada na creche não foi fácil, mas correu melhor que aquilo que alguma vez esperei.
Normalmente é o pai quem a leva, e eu vou buscá-la. Ficou assim decidido porque cada vez que eu a levo a coisa corre mal, e com o papá é diferente.
Para todos os membros da instituição, ela é a Mafaldinha. É assim que todos a chamam, e mesmo quando vêm recados, não é Mafalda, é Mafaldinha! :)
O mais engraçado, é que se a chamarem por Mafalda lá na creche ela não liga, mas se a chamarem Mafaldinha já reage e sabe que é com ela! Até direito a uma música exclusiva ela teve!
Já para os meninos da salinha dela, é a Fafa. O pai diz que de manhã, quando ela chega à creche, os colegas começam logo a chamar pela Fafa. E à tarde, quando vou buscá-la, oiço sempre "mãe da Fafa ouá (olá)". :)
Há lá coisa melhor que sentirmos e sabermos que a nossa filha está no local certo, em segurança e é bem-tratada por todos, mesmo sendo uma criança especial?!
É claro que não... E acreditem que me sinto muito abençoada por isso!

Era uma vez...

A Mafalda foi uma criança muito desejada e planeada.
Lembro-me do dia em disse para mim mesma, "é hoje", e foi.
Um mês depois, sabia que estava grávida.
Quando engravidamos, passamos 9 meses a pedir que o nosso bebé venha com saúde.
E a Mafalda veio, com muita saúde e alguns problemas também.
Tendo eu lábio liporino, a minha maior preocupação ao longo de toda a gravidez, foi que a Mafalda viesse com o mesmo problema que eu. E em todas as ecografias que realizei, sempre fiz ênfase nessa questão, ao que os médicos sempre me asseguraram que estava tudo bem. E de facto estava.
A Mafalda nasceu às 41 semanas e 3 dias, de cesariana com ventosas e com uns belos 54 cm e 4,210kg.
Era pequenina, a minha menina!:)
Eu não fui daquelas mães que dizem que mal viram a sua filha foi amor à primeira vista.
Aliás, eu não gostei mesmo nada do primeiro momento em que a vi. Só quando me a trouxeram limpinha e com a roupa cheirosa que eu tinha escolhido para aquele dia, aí sim, foi amor à primeira vista. Foi a certeza de que dali em diante, a minha função nesta vida era proporcionar o melhor deste mundo à Mafalda, onde nada lhe faltasse e onde ela fosse feliz, comigo do lado dela incondicionalmente.
Desde muito cedo que soube que algo se passava com a Mafalda.
Aos 15 dias, lembro-me da minha filha estar ao meu colo a dormir, e do nada começa a tremer e a vomitar compulsivamente.
A inexperiência fez-me ir a correr para o hospital, onde os médicos disseram estar tudo bem, mas desde esse dia tudo mudou.
A Mafalda desde que nasceu que sempre tremeu o maxilar inferior. E quando questionei isso na maternidade, disseram ser algo normal, talvez um impulso que ela trouxera quando estava ainda dentro da minha barriga, mas esses tremores foram-se acentuando ao longo tempo, tal como o revirar dos olhos que também sempre me disseram ser normal até aos 6 meses, mas que aos 9 continuavam, e foi aí que a médica também percebeu que algo se passava.
Desde os 5 meses, altura em que a Mafalda começou a estabelecer ligação direta, respondendo a estímulos que lhe eram feitos, que começou o revirar de olhos. Duravam apenas alguns segundos, é certo, mas durante esses segundos a Mafalda a nada respondia. Eu chamava-a, mexia-lhe e a Mafalda simplesmente não reagia. Era como se ela nem ali estivesse.
Além disso, a Mafalda aos 8 meses ainda não se sentava sozinha, só com apoio e palrava muito pouco.
Todos estes pormenores, aliados ao facto da Mafalda ser uma criança muito grande e com um perímetro cefálico fora do normal,  a nossa médica de família encaminhou-a para a pediatria do Hospital Garcia de Orta.
Lá, suspeitaram que a Mafalda teria um atraso no desenvolvimento psico-motor (ADPM) conjuntamente com epilepsia.
Foram vários os exames realizados, desde o eletroencefalograma, à ressonância magnética, análises, enfim um conjunto de exames que disseram que as suspeitas eram muito mais do que isso. Eram certezas!
A Mafalda tinha acabado de fazer 1 ano, e eu soube nesse mesmo mês que a minha filha tinha epilepsia e um atraso psico-motor acentuado.
Foi complicado gerir esta informação... Não é fácil ouvirmos que a nossa filha tem epilepsia!
Mas felizmente, fomos muito bem encaminhados para o CDC (Centro de Desenvolvimento da Criança) do HGO, para a Dra. Cristina Martins.
Aliás, no que respeita a nível de médicos não me posso queixar, acho que tive muita sorte com os profissionais que seguem a minha filha nas mais diversas áreas.
A epilepsia, no caso da Mafalda, é hereditária, pois o meu pai também tinha. E a bem da verdade, a Mafalda nunca teve uma convulsão propriamente dita, apenas ameaças. Quando foi diagnosticada a epilepsia à Mafalda e ela começou a tomar o Tegretol (medicamento que controla a doença), sempre me questionaram como tinham conseguido diagnosticar tão precocemente algo tão complexo à Mafalda. Mas a minha mania de questionar sempre tudo, e o facto de ter uma grande bagagem a nível familiar neste tipo de doenças, fez-me estar mais alerta, e assim agir cedo perante o problema.
Com o crescer, a Mafalda foi dando indicações que o dito ADPM era cada vez mais visível, e alguns comportamentos que ela tem, como o gritar, o não falar, os gestos repetitivos, o abanar os braços parecendo que vai voar, o isolar-se, estar sempre no mundo dela e não permitir que pessoas estranhas façam parte dele, entre outros aspectos, fazem pensar que a Mafalda possa ter espectro de autismo.
O autismo também não é de todo novo para mim, na minha família existem 2 meninos com espectro de autismo e do lado pai existe uma menina também com o dito espectro.
Contudo, neste momento andamos a tentar perceber de onde vem este problema.
Só depois, e mais perto dos 3 anos, se fará um diagnóstico em concreto.
Até ao momento já fizemos o despiste ao x frágil, que deu negativo, e a ressonância magnética também não deu resultados preocupantes. Apenas um tamanho fora do normal do alvéolo direito, mas que na perspectiva da médica não são preocupantes, apenas obriga a que haja um acompanhamento do crescimento da Mafalda.
Já percebemos que o que a Mafalda tem não foi originado por ela, foi-lhe transmitido, resta saber por quem, e neste momento aguardamos ser chamados pela consulta de genética do hospital de Santa Maria afim de efetuarmos o estudo aos nossos genes.
O plano para a Mafalda tem vindo a ser delineado desde Setembro do ano passado, e que já passou pela integração da Mafalda na creche, que foi excepcional e que permitiu que a Mafalda consiga estar no mesmo espaço com várias pessoas (algo que há um ano atrás era impensável) e tenha desenvolvido outras capacidades que antes não tinha como o beber pelo copo, por exemplo.
Faz parte do plano a Mafalda ser acompanhada pela equipa de intervenção precoce, algo que acontece desde o passado mês de Novembro, mas que, na minha óptica, até ao momento não trouxe grandes vantagens. A Mafalda é seguida por eles semanalmente, na creche e por vezes em casa,  mas o plano traçado pela equipa tem sido constantemente alterado, tornando difícil a sua execução.
Neste momento aguardamos o feedback da psicologia, afim de se saber se a Mafalda será ou não encaminhada para a terapia ocupacional, e caso não seja, o que pretendem fazer.
Tem sido uma longa caminhada, muitas vezes palmilhada com o coração nas mãos, mas de uma coisa eu tenho certeza.
A Mafalda foi a melhor coisa que me aconteceu na vida e por ela, eu vou à lua se for preciso!